tatuada

eu queria ter a pele tatuada, toda ela. desenhada com as minhas palavras de valor, pra não cair na vala das linhas tortas, dos espaços abismos. ter rabiscados os impulsos mais certeiros e o carimbo dos dias de paz. nenhum nome de alguém que tenha me matado de amor. não se pode guardar escrito nada maldito. mas sim gritos de guerra, de vida, de susto. caligrafia dançante para me manter acordada. uma pele de cobra, chifres, asas. um círculo no umbigo para deixar concreto um farol. feijão preto, concha branca, flores roxas que florescem ao contrário. coragem e covardia para lembrar-me de que o fio é sempre tenso. bússola, ampulheta, poesia, paladar, celeste, matemática, o valor de x. não sei como “vento” e “tempo”. por toda a pele pontinhos, pontinhos, pontinhos que sirvam de reticências, grãos, areia, cisco, poeira, pó. o desenho de vasos comunicantes, 2 palavras leão, 1 saturno, 1 satélite. útero. destino, não sei como. 1 pilha saudando a natureza bipolar. num punho “a lágrima é o átomo do mar!” no outro “os múltiplos serão os inteiros”. fé numa sola do pé. rebeldia no outro. impermanência no gogó, encantamento na nuca. voz numa costela à esquerda. povo abaixo, sentido, mais abaixo, sabor, mais ainda e bem grande. ritmo e melodia nas virilhas. antígona, medeia, alice, mariamar, halla, oxum, psiquê, afrodite, dora e todas as personagens mulheres que vem selando a minha expedição, nas partes internas das coxas. saudade entre as covinhas da lombar. na panturrilha direita, que puxa meu passo, a primeira pergunta que me lembro de ter feito na infância “quando é que o amanhã chega?”. por fim, o significado da minha terra, do tupi “kô gôi”: “o que sustenta, o que alimenta”, com uma tinta invisível, bem ali, no cantinho da alma.

Sobre Luísa Bahia

Artista residente em BH, 27 anos. Atriz, cantora, dramaturga, diretora e poeta. Atualmente circula com seu solo teatral RISCO, prepara seu show autoral e conduz oficinas de artes integradas. Investiga a VOZ em seus múltiplos sentidos: som, movimento, palavra, escrita, cena e manifestação da nossa presença no mundo.
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